Marcel Solimeo
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
Não sei por que, mas pensando na Reforma Tributária, me veio à mente o episódio Bíblico da Torre de Babel. Talvez porque Babel significa confundir, que é o que aconteceu com a aprovação da PEC 45 na Câmara e no Senado.
Ela se transformou em uma verdadeira Babel, isto é, confusão. Assim, apesar das dúvidas e incertezas que tem criado, fazendo com que cada setor ou segmento da atividade econômica tenha visão diferenciada de seu impacto, cada um falando uma língua diferente em relação ao texto, uma coisa parece certa, o aumento da carga tributária.
Para recordar, o objetivo da PEC 45\19 era a simplificação da tributação do consumo, com uma alíquota única para os bens e serviços e o fim da “guerra fiscal”. Desses objetivos, alíquota única não existe mais (a bem da verdade, existe em poucos países da OCDE, conforme o Relatório de 2022), a simplificação não ocorreu, pelo contrário, com a transição aumentou a burocracia. E o fim da “guerra fiscal” ainda vai demorar vários anos para ser implementado.
Diga-se de passagem, com a tributação no destino não tem sentido proibir Estados de concederem incentivos fiscais. Isso porque o problema que há hoje é que um Estado concede incentivo, e seu custo é suportado por outro. Com a tributação no destino, não se pode mais falar em “guerra fiscal”, mas em política fiscal, com o custo do incentivo sendo suportado pela população do Estado concedente, devidamente aprovado por sua população que suportará o ônus por meio de seus representantes no Legislativo.
É comum em outros países que algumas regiões concedam incentivos para atrair empresas. O Texas é um exemplo marcante dessa política, o que explica seu forte desenvolvimento.
Se a proposta for aprovada, acabará com a “guerra fiscal” (a um custo muito alto para a União), criando, por outro lado, uma nova guerra. Desta vez contra os contribuintes e consumidores. A maioria dos contribuintes, especialmente os do setor Serviços voltados para a população, pagará mais imposto do que atualmente. Os consumidores, com especial ênfase para os da classe média, irão suportar aumento de impostos e dos preços.
Basta considerar que o aumento da tributação de alimentos, apesar dos mecanismos de proteção aos mais pobres, atingirá o extrato inferior da classe média, cuja renda tangencia a dos que recebem os benefícios, sendo que este extrato não terá qualquer tipo de compensação. Sem contar o impacto sobre os índices de preços que servem de base para a correção formal e informal da economia.
Além disso, independentemente das alíquotas, a proposta decreta aumento de impostos com a aprovação dos Fundos. Qualquer que seja a forma como eles venham a ser financiados, seu custo recairá sobre os contribuintes. Pode ser direto, por aumento de alíquota de impostos existentes. Ou, com o aumento da dívida pública, que repercute nas taxas de juros e representa mais imposto no futuro.
Balzac, em seu livro “Código dos Homens Honestos, de 1825, já advertia que “os reis absolutos com seus empréstimos, e os governos constitucionais e suas dívidas intermináveis… não deixam de ser traiçoeiras para o bolso… e não deixam de ser mil vezes mais perigosos para o nosso patrimônio”.
Pode, também, embora pouco provável, ser com o remanejamento do orçamento para acomodar os valores, o que implicaria na precarização ainda maior dos serviços públicos. O que é inevitável é que quando o governo gasta, a sociedade paga.
Afora isso, foi criado o Imposto Seletivo (IS), cujo campo de abrangência é muito elástico, podendo incidir sobre qualquer coisa relativa à “saúde e meio ambiente”, o que inclui tudo que se possa imaginar. Como não existem regras ou limites, esse imposto é um risco muito grande para os contribuintes.
A primeira amostra já foi dada no texto aprovado. O IS vai incidir sobre a extração de minérios, mesmo que destinados à exportação. Além de afetar as vendas externas de um item que é relevante na Balança Comercial, para alegria de nossos concorrentes, os minérios se tornam cada vez mais necessários para a substituição da matriz energética.
Os consumidores pagarão ainda por essa tributação através do aumento dos preços dos inúmeros produtos industriais e de uso doméstico que se utilizam do aço, cobre e muitos outros minerais, além dos derivados de petróleo.
Não bastasse esse tributo, foi definida a CIDE para incidir sobre produtos que tenham similares fabricados em Manaus, o que afeta a produtividade da economia e distorce a alocação dos investimentos, com repercussões sobre os preços desses produtos.
Nessa “guerra” contra os contribuintes e consumidores, foi autorizada a criação de uma contribuição estadual, inclusive sobre exportações. Autoriza ainda a correção do IPTU sem necessidade de Lei. Amplia a incidência do IPVA, que passa a poder ser progressivo. Determina que o Congresso aprove mudança na tributação sobre heranças, também tornando progressiva.
Mais ainda, quase todos os Estados vão aumentar o ICMS a partir de 2024, o que, além do impacto imediato, resultará em alíquota maior do IBS a ser fixada, pois a base estará mais elevada.
Isto não inclui as medidas que estão sendo adotadas para viabilizar o “arcabouço fiscal”, como a transformação do CARF em órgão de cobrança, a tributação de bens no exterior, o fim da dedução do Juros sobre Capital Próprio e, seguramente, virá a tributação dos dividendos. Soma-se ainda as decisões do STF sobre matéria tributária, como a do Difal e a questão da tributação dos incentivos estaduais pela Receita, que podem levar à insolvência muitas empresas se não forem moduladas, pois criam passivo fiscal retroativo.
Para completar, os contribuintes terão aumento da burocracia fiscal e das incertezas, com a vigência simultânea de dois sistemas por vários anos, com consequências sobre nível de atividade, emprego e renda.
Cabe lembrar que o principal argumento para a urgência da Reforma Tributária é o de que a tributação, principalmente a do ICMS, tinha muitos problemas e causava muitas distorções, que devem desaparecer depois da transição. Como todos os problemas e distorções foram mantidos, é de se supor que, enquanto esse imposto velho (ICMS) não morrer, e o IBS não nascer plenamente, poderemos enfrentar sérias dificuldades porque, como dizia Gramsci, “a crise resultaria do fato de que o velho não morreu e o novo não pôde nascer”.
Qual a conclusão que se pode tirar de tudo isso? Acredito que nenhuma empresa e nenhum cidadão escapará dos impactos diretos e indiretos dos aumentos da tributação e/ou dos preços.
Se não teremos simplificação no curto prazo, se as propostas aprovadas vão provocar aumento de impostos, se a incerteza prejudicará as decisões dos agentes econômicos, será que vale a pena aprovar o texto que saiu do Senado, ou seria melhor “começar de novo”? Seria uma demonstração de bom senso, o que não se viu nas sessões em que foram aprovadas a proposta na Câmara e no Senado.
Se mesmo assim aprovarem, com um ou outro remendo, os pontos mencionados de aumento da carga tributária, o que fazer? Talvez a resposta seja o apelo que li recentemente de um tributarista: Contribuintes, uni-vos.
Fonte: Diário do Comércio